Início Cultura ‘’A Grande Fuga’’: O Mais Longo dos Dias do Passado

‘’A Grande Fuga’’: O Mais Longo dos Dias do Passado

Por Marco de Cardoso

O ‘’Dia D’’, o termo que batizou a chamada ‘’Operação Overlord’’, o monumental desembarque das tropas aliadas na Normandia, na França, em 6 de junho de 1944 para iniciar a ofensiva final contra a ocupação nazista na Europa, completou 80 anos este ano. E nestas 8 décadas, o tema sempre tem rendido boas histórias no cinema.

A mais recente é o filme “A Grande Fuga” que narra a extraordinária história real de Bernard Jordan, um veterano da Marinha britânica na Segunda Guerra Mundial, que em 2014, aos 89 anos, realiza uma fuga épica de sua casa de repouso na Inglaterra para participar das comemorações do 70º aniversário do Dia D na Normandia. Dirigido com maestria por Oliver Parker (“O Retorno de Johnny English”, “O Retrato de Dorian Gray”), o filme é estrelado pelos lendários atores britânicos Michael Caine e Glenda Jackson.

A vida pacata de Bernard (Michael Caine) e sua esposa Irene (Glenda Jakcson), ambos octogenários, é inicialmente retratada com um olhar terno e sensível. O cotidiano do casal é marcado por preocupações com a saúde, medicamentos e consultas médicas, refletindo as limitações e uma certa monotonia, impostas pela idade avançada. No entanto, a proximidade do evento na França introduz uma nova dinâmica na rotina de Bernard, trazendo à tona um vigor e uma determinação que surpreendem tanto o público quanto os personagens ao seu redor.

A escapada de Bernard é planejada com uma astúcia e um senso de aventura que rivalizam com as missões militares de sua juventude. Ele dribla médicos, enfermeiros e seguranças com uma habilidade quase de um ‘’James Bond da Terceira Idade’’. Esta sequência do filme é repleta de um humor comovente, à medida que Bernard, com a ajuda velada de sua esposa cúmplice, executa seu plano com precisão cirúrgica. A reação de Irene, dividida entre a preocupação e o orgulho pelo espírito indomável de seu marido, é interpretada de maneira brilhante por Glenda Jackson, que transmite uma profundidade emocional que ressoa junto ao público.

Uma vez a bordo do barco que o leva à França, Bernard encontra outros veteranos, criando um vínculo imediato e tocante com seus antigos ‘’irmãos de armas’’. O filme captura a camaradagem e o respeito mútuo entre os ex-combatentes, proporcionando uma das cenas mais emocionantes quando Bernard encontra ex-soldados alemães. Essa interação é marcada por uma dignidade e uma humanidade que transcendem a história de inimizade, traçando a reconciliação e o respeito entre aqueles que, outrora, foram inimigos.

O encontro de Bernard com um jovem soldado ex-combatente, que perdeu uma perna numa guerra mais recente do Exército britânico, acrescenta uma camada contemporânea à narrativa. O jovem olha para Bernard com admiração e respeito, destacando a continuidade do sacrifício e da coragem entre gerações de soldados. Este momento do filme é particularmente tocante, pois reflete o impacto duradouro da guerra nas vidas dos indivíduos, independentemente da época.

As reminiscências de Bernard sobre a perda de um amigo durante o desembarque na Normandia durante a Segunda Guerra, são uma constante ao longo do filme, revelando as cicatrizes emocionais que ele carrega. Sua jornada de volta ao antigo campo de batalha do ‘’mais longo dos dias’’ é tanto um tributo aos bravos que caíram naquelas praias, quanto uma tentativa de exorcizar os próprios fantasmas que o assombram há décadas. Esta subtrama é tratada com sensibilidade e respeito, proporcionando uma resolução emocional para Bernard e para o público, graças principalmente à atuação excepcional (como sempre) do grande Michael Caine.

O clímax do filme é alcançado quando a história de Bernard se torna conhecida e divulgada pela imprensa, gerando espanto e admiração de todos e o transformando num herói popular. O filme celebra a resiliência e a coragem de Bernard de uma maneira que é ao mesmo tempo inspiradora e comovente.

Outro ponto alto são as tiradas satíricas do roteiro, como quando surge a preocupação expressa por uma enfermeira de que Bernard ‘’foi para a Normandia’’ o que gera uma resposta espirituosa de Irene: “ele já foi lá uma vez, mas naquela época atiravam nele”.

Mas roteiro e direção à parte, o verdadeiro destaque  de “A Grande Fuga” é o show de interpretação cênica de Michael Caine( vencedor de 2 Oscars, 3 Globos de Ouro, 1 BAFTA e 1 Screen Actors Guild Award ) e Glenda Jackson(2 Oscars,  1 Globo de Ouro, 1 BAFTA 1 Tony e 3 Emmy) . Ambos os atores, com suas carreiras ilustres e habilidades excepcionais, dão vida aos personagens de uma maneira simplesmente hipnotizante. Caine, como Bernard, traz uma profundidade e uma autenticidade ao papel que é ao mesmo tempo cativante e inspirador. Jackson, como Irene, oferece uma performance que é simultaneamente vulnerável e fortalecedora, complementando perfeitamente a jornada de Bernard.

“A Grande Fuga” é uma celebração da coragem, da resiliência e do espírito indomável de quem um dia precisou arriscar tudo, (inclusive a própria pele), para ‘’salvar mundo’’, topou o desafio e venceu! É um tributo comovente aos sacrifícios feitos por toda uma geração e também uma lembrança poderosa de que o espírito de missão não conhece idade.

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Marco de Cardoso é Diretor Cultural da AIB – Associação da Imprensa do Brasil