Por Marco de Cardoso
O ‘’Dia D’’, o termo que batizou a chamada ‘’Operação Overlord’’, o monumental desembarque das tropas aliadas na Normandia, na França, em 6 de junho de 1944 para iniciar a ofensiva final contra a ocupação nazista na Europa, completou 80 anos este ano. E nestas 8 décadas, o tema sempre tem rendido boas histórias no cinema.


A vida pacata de Bernard (Michael Caine) e sua esposa Irene (Glenda Jakcson), ambos octogenários, é inicialmente retratada com um olhar terno e sensível. O cotidiano do casal é marcado por preocupações com a saúde, medicamentos e consultas médicas, refletindo as limitações e uma certa monotonia, impostas pela idade avançada. No entanto, a proximidade do evento na França introduz uma nova dinâmica na rotina de Bernard, trazendo à tona um vigor e uma determinação que surpreendem tanto o público quanto os personagens ao seu redor.
A escapada de Bernard é planejada com uma astúcia e um senso de aventura que rivalizam com as missões militares de sua juventude. Ele dribla médicos, enfermeiros e seguranças com uma habilidade quase de um ‘’James Bond da Terceira Idade’’. Esta sequência do filme é repleta de um humor comovente, à medida que Bernard, com a ajuda velada de sua esposa cúmplice, executa seu plano com precisão cirúrgica. A reação de Irene, dividida entre a preocupação e o orgulho pelo espírito indomável de seu marido, é interpretada de maneira brilhante por Glenda Jackson, que transmite uma profundidade emocional que ressoa junto ao público.
Uma vez a bordo do barco que o leva à França, Bernard encontra outros veteranos, criando um vínculo imediato e tocante com seus antigos ‘’irmãos de armas’’. O filme captura a camaradagem e o respeito mútuo entre os ex-combatentes, proporcionando uma das cenas mais emocionantes quando Bernard encontra ex-soldados alemães. Essa interação é marcada por uma dignidade e uma humanidade que transcendem a história de inimizade, traçando a reconciliação e o respeito entre aqueles que, outrora, foram inimigos.
O encontro de Bernard com um jovem soldado ex-combatente, que perdeu uma perna numa guerra mais recente do Exército britânico, acrescenta uma camada contemporânea à narrativa. O jovem olha para Bernard com admiração e respeito, destacando a continuidade do sacrifício e da coragem entre gerações de soldados. Este momento do filme é particularmente tocante, pois reflete o impacto duradouro da guerra nas vidas dos indivíduos, independentemente da época.
As reminiscências de Bernard sobre a perda de um amigo durante o desembarque na Normandia durante a Segunda Guerra, são uma constante ao longo do filme, revelando as cicatrizes emocionais que ele carrega. Sua jornada de volta ao antigo campo de batalha do ‘’mais longo dos dias’’ é tanto um tributo aos bravos que caíram naquelas praias, quanto uma tentativa de exorcizar os próprios fantasmas que o assombram há décadas. Esta subtrama é tratada com sensibilidade e respeito, proporcionando uma resolução emocional para Bernard e para o público, graças principalmente à atuação excepcional (como sempre) do grande Michael Caine.
O clímax do filme é alcançado quando a história de Bernard se torna conhecida e divulgada pela imprensa, gerando espanto e admiração de todos e o transformando num herói popular. O filme celebra a resiliência e a coragem de Bernard de uma maneira que é ao mesmo tempo inspiradora e comovente.
Outro ponto alto são as tiradas satíricas do roteiro, como quando surge a preocupação expressa por uma enfermeira de que Bernard ‘’foi para a Normandia’’ o que gera uma resposta espirituosa de Irene: “ele já foi lá uma vez, mas naquela época atiravam nele”.
Mas roteiro e direção à parte, o verdadeiro destaque de “A Grande Fuga” é o show de interpretação cênica de Michael Caine( vencedor de 2 Oscars, 3 Globos de Ouro, 1 BAFTA e 1 Screen Actors Guild Award ) e Glenda Jackson(2 Oscars, 1 Globo de Ouro, 1 BAFTA 1 Tony e 3 Emmy) . Ambos os atores, com suas carreiras ilustres e habilidades excepcionais, dão vida aos personagens de uma maneira simplesmente hipnotizante. Caine, como Bernard, traz uma profundidade e uma autenticidade ao papel que é ao mesmo tempo cativante e inspirador. Jackson, como Irene, oferece uma performance que é simultaneamente vulnerável e fortalecedora, complementando perfeitamente a jornada de Bernard.
“A Grande Fuga” é uma celebração da coragem, da resiliência e do espírito indomável de quem um dia precisou arriscar tudo, (inclusive a própria pele), para ‘’salvar mundo’’, topou o desafio e venceu! É um tributo comovente aos sacrifícios feitos por toda uma geração e também uma lembrança poderosa de que o espírito de missão não conhece idade.
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Marco de Cardoso é Diretor Cultural da AIB – Associação da Imprensa do Brasil