Em meio aos destroços de antigas residências do Morro da Providência, no bairro da Gamboa, no centro do Rio, uma expressão artística se destaca. À primeira vista, parece um truque de ilusão de ótica, mas depois que a visão vai se acostumando ao ambiente é possível ver rostos desenhados em paredes envelhecidas de algumas residências. São lembranças de pessoas, cuja biografia faz parte da memória da comunidade.
Para entender essa história é preciso voltar no tempo. Em 2012, o fotógrafo Maurício Hora, coordenador do espaço cultural Casa Amarela, pensou em levar um trabalho artístico ao Morro da Providência. Maurício fez contato com o colega francês JR, que localizou o artista urbano, pintor e grafiteiro português Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, que aceitou o desafio de deixar sua marca na Providência, comunidade que antes da pacificação era dominada pela violência, mas que agora respira o clima de paz.
Nascido em Lisboa, em 1987, Vhils formou-se pela University of Arts, de Londres e realiza trabalhos que vão da animação à xilogravura. O artista ganhou fama, por estampar imagens de rostos desconhecidos, com grandes dimensões, com uso de martelo, espátula, cinzel e, até mesmo, explosivos sobre superfícies. Trabalha quebrando ou raspando muros, portas e cartazes publicitários. Antes de vir para o Rio, Vhils passou por grandes cidades como Moscou, Londres e Nova York.
Os rostos
Mas de quem são os rostos que chamam tanta atenção na comunidade e quais são as suas histórias? A resposta não é difícil, depois de uma rápida pesquisa na comunidade. Ao lado da famosa escadaria que dá acesso ao morro está esculpida a face de Humberto Luiz dos Santos, de 73 anos, que mora há 50 anos na Providência. As linhas de seu rosto, nítidas no seu retrato, mostram que ele tem muita história para contar.
– Falaram que queriam fazer um retrato meu na parede, vieram aqui e tiraram fotos. Depois disso, as pessoas sempre vêm me procurar, falam que o meu retrato foi o que ficou mais autêntico, até tiram fotos para comparar. Eles dizem que o meu rosto ficou famoso, mas eu acho que não – declarou Humberto.
A imagem na parede de sua antiga casa é uma recordação de um longo período vivido na comunidade, cheio de altos e baixos. Humberto conta que na época em que morava ao lado da escadaria passou por maus momentos, devido à violência que assolava a região antes da UPP.
– Eu gostava de pegar uma cadeira e sentar em frente à minha porta, mas várias vezes, um tiroteio começava e eu nem tinha tempo de levantar para entrar: jogava minhas pernas para o alto e virava minha cadeira para dentro de casa. Hoje isso aqui está um paraíso, posso até dormir do lado de fora se quiser – brinca.
Misael Silva, mais conhecido como Piolho, de 63 anos, também mora há décadas na Providência. Seu rosto foi estampado no final da escada que dá acesso à comunidade.
– Moro aqui há bastante tempo, já vivi muita coisa. Aí no ano passado me procuraram para saber se eu deixava colocarem o meu rosto na parede e eu disse que sim. As pessoas chegam aqui curiosas, ficam perguntando de quem é o retrato e aí os moradores dizem que é meu. É uma lembrança que ficou – revela.
Edson da Silva Oliveiro, o Seu Edinho, 73 anos, é um dos moradores mais antigos do morro. Figura ilustre da Providência, ele foi o primeiro gari comunitário (contratado especialmente para limpar a favela) e trabalhou durante anos como bombeiro hidráulico. Hoje, aposentado, distribui sorrisos e conta histórias do ambiente onde vive.
– Os estrangeiros me procuraram e eu disse que podiam fazer uma foto minha, afinal eu não sou perseguido pela polícia (risos). A gente não é conhecido, então quando vê uma obra como essa se sente orgulhoso. Quando uma pessoa vem falar comigo, fico muito feliz. Eu não posso reclamar nada da vida, nesses 73 anos trabalhei, criei meu filhos e vivo bem
No dia 26 de setembro, o artista Vhills deverá voltar ao Rio de Janeiro para lançar o catálogo da exposição que fará no Museu de Arte do Rio, com os desenhos das figuras que gravou nas paredes do Morro da Providência.
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