Principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, o Cais do Valongo, na Região Portuária, teve a candidatura aceita pelo Centro do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para ser reconhecido como Patrimônio da Humanidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Prefeitura do Rio receberam na terça-feira (1/03) o comunicado da Unesco, por meio do Ministério das relações Exteriores, informando que o dossiê da candidatura foi aceito.
Elaborado pelo Iphan e pela Prefeitura do Rio, com o apoio de especialistas, o dossiê servirá como base para o trabalho de avaliação dos representantes dos órgãos consultivos da Unesco, que visitarão a Região Portuária e o Cais do Valongo nos próximos meses. O trabalho técnico prosseguirá com a participação da comunidade e do Comitê Consultivo da Candidatura, composto por várias instituições governamentais e da sociedade civil, especialmente as representativas da preservação e valorização da herança africana.
Em 20 de novembro de 2013, Dia da Consciência Negra, o Cais do Valongo foi alçado a patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, por meio do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). Representantes da Unesco também consideraram o sítio arqueológico como parte da Rota dos Escravos. O evento reforçou ainda mais a intenção da cidade de lançar a candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio da Humanidade.
A possibilidade de inscrição do Cais do Valongo na lista do Patrimônio Mundial representará o reconhecimento do valor universal do local, como memória da violência contra a humanidade representada pela escravidão. O reconhecimento do Cais do Valongo como Patrimônio Mundial será o reconhecimento da contribuição dos africanos na formação dos povos do continente americano.
Cais do Valongo
O Brasil recebeu mais de quatro milhões de escravos nos mais de três séculos de regime escravagista no país. Pelo Cais do Valongo passaram mais de um milhão de africanos escravizados, o que tornou o local o maior porto receptor de escravos do mundo.
O dossiê – elaborado ao longo de um ano de trabalho – foi coordenado pelo antropólogo Milton Guran, e resgata a história trágica e cruel do tráfico negreiro, analisando com detalhes a importância histórica e o simbolismo do sítio arqueológico para todos os brasileiros, em especial os afrodescendentes.
Revelado em 2011 durante as obras do Porto Maravilha, que está revitalizando área de cinco milhões de metros quadrados na Região Portuária do Rio de Janeiro, o Cais do Valongo foi construído em 1811 pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro. O objetivo era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados.
Os escravos que desembarcavam no local partiam para as plantações de café, fumo e açúcar do interior do estado e para outras regiões do Brasil. Os escravos que ficavam no Rio de Janeiro, geralmente, eram os escravos domésticos ou os que eram usados como força de trabalho nas obras públicas.
Em 1831, o Cais do Valongo foi fechado após a proibição do tráfico transatlântico por pressão da Inglaterra. A norma foi solenemente ignorada e recebeu a denominação irônica de lei para inglês ver. Entre a construção do cais e a proibição do tráfico, ingressaram no país entre 500 mil e um milhão de escravos de diversas nações africanas. A cidade do Rio de Janeiro, em quase quatro séculos de escravidão, recebeu sozinha cerca de 20% de todos os africanos escravizados que chegaram vivos às Américas. Isso faz da cidade e do Cais do Valongo referências do que foi a maior transferência forçada de população na história da humanidade.
Ao longo dos anos, o Cais sofreu sucessivas transformações. Na primeira intervenção, em 1843, foi remodelado com requinte para receber a Princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, noiva do (então) futuro Imperador D. Pedro II, e passou a se chamar Cais da Imperatriz. Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, pôs-se fim verdadeiramente ao tráfico para o Brasil, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888.
Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado. No entanto, durante as obras do Porto Maravilha, com as escavações realizadas no local em 2011, foram encontrados milhares de objetos como parte de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava de extrema delicadeza, jogos de búzios e outras peças usadas em rituais religiosos.
Em 2012, a prefeitura do Rio de janeiro acatou a sugestão do Movimento em Defesa do Direito do Negro e, em julho do mesmo ano, transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Cais do Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na Região Portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, do Largo do Depósito, da Pedra do Sal, do Centro Cultural José Bonifácio e do Cemitério dos Pretos Novos.