A professora de português e coordenadora do programa de Leitura, Interpretação e Produção Textual do colégio Mopi. Christiana Leal, explicita abaixo diversas situações sobre a aplicação da vírgula.
1) Função:
Acreditando que a vírgula indica uma pausa na escrita, o que seria reflexo da fala, muitas pessoas se equivocam. No entanto, na verdade, não é exatamente isso que a vírgula representa na língua portuguesa. A vírgula é uma marca gramatical. Por exemplo, uma frase que não está na ordem direta – com sujeito, verbo e complementos, como objetos direto e indiretos, adjunto adverbial, sendo este um complemento acessório – precisa de uma marcação na escrita, com algum sinal gráfico, indicando que essa alteração de ordem foi feita. Por exemplo, uma marca da ordem indireta é o uso da vírgula para o deslocamento desse termo que não está no lugar em que é previsto, que seria o lugar da ordem direta.
2) Aplicação:
De maneira geral, as pessoas imaginam que a vírgula indica uma pausa. Há professores que até brincam dizendo que, se a vírgula indicasse uma pausa, pessoas que respiram muito na fala poriam pôr vírgula em todo o texto, o que não é o correto, não faz sentido. Existe uma regra para o uso da vírgula e ela precisa ser seguida. E essa confusão acontece por essa distorção da regra do uso da vírgula.
3) Aprendizado no colégio:
Quando o colégio fala em pausa na escrita, ele induz o aluno a pensar que se trata de uma pausa como reflexo da fala. Como expliquei, não é. A vírgula indica um deslocamento sintático.
4) Uso:
A vírgula deve ser usada toda a vez que esse deslocamento sintático aparecer. Por exemplo, na frase ‘À noite, vou ver meu irmão’, o ‘à noite’ é um adjunto adverbial de tempo, que está deslocado. A ordem direta mandaria escrever ‘Vou ver meu irmão à noite’. No entanto, se eu trago o à noite pra frente da frase e, podendo existir alguma intenção de topicalizar, de destacar esse elemento, de marcar o tempo com mais força nessa frase do que propriamente a ação de eu ir ver meu irmão, essa inversão precisa ser marcada com a vírgula.
Uma questão que tenho visto muito em redes sociais e que tem me incomodado em mensagens via whats app, por exemplo, é a abolição completa da vírgula que separa o vocativo (um termo mais costumeiramente conhecido como chamamento e que não é sujeito, não é complemento verbal), outra regra do uso da vírgula. Por exemplo, na frase ‘Professora, por favor, me ajude’, o professora é o vocativo, deve ficar isolado por vírgula, e as pessoas suprimiram completamente. Esse desprezo da vírgula é um fenômeno, como, na verdade, muitas coisas nas redes sociais são desprezadas na língua escrita. E na internet, de maneira geral, no whats app, e até mesmo no SMS, no Facebook, entre outros meios de comunicação. Todos esses mecanismos de escrita muito rápida tendem a ignorar alguns traços da língua portuguesa, como a acentuação. Há muitas pessoas que escrevem sem acento algum, sem til, sem cedilha, porque é mais rápido, porque a comunicação, a digitação é mais rápida. Por isso, acredito que esse descaso com a vírgula no vocativo esteja relacionada à rapidez na comunicação digital. E esse é um caso em que a vírgula é obrigatória, mas que as pessoas tendem a não usar de uma maneira espantosa.
5) Dúvidas no uso:
A maneira como a vírgula é ensinada na escola é confusa. As pessoas ainda não têm certeza desses usos gramaticais. E, mais que isso, saber entender, saber aplicar a vírgula exige diversos outros conhecimentos, demanda a compreensão de vários outros tópicos gramaticais – como a ordem direta dos termos da oração: o que é um sujeito, o que é um objeto, o lugar do verbo, o que é um adjunto adverbial, seu lugar na oração. São muitas as questões que precisam estar claras para o aluno para que ele consiga aplicar bem a vírgula. Por isso, o uso da vírgula é muito complicado, visto que as regras da vírgula que pressupõem outros conhecimentos. E, sem isso, o aluno não aprenderá a usar a vírgula corretamente. É possível que ele use da maneira certa por intuição, mas nunca será por uma compreensão plena da regra.
Um bom leitor tem alguma noção de usos gramaticais. Ele segue um pouco da sua intuição linguística, o que pode dar certo, mas, de maneira geral, é necessário compreender que a vírgula é um procedimento gramatical, sintático e que merece um estudo com tranquilidade, sem entender que a vírgula é só uma pausa, como se fosse um momento de respirar.
6) Oralidade X escrita:
A oralidade tem essa tendência mesmo, de aplicação de melodia e, naturalmente, ela é refletido na escrita. Não concordo, pois o uso da vírgula já é uma regra gramatical. E o fato de as pessoas acharem que a vírgula é simplesmente uma pausa que reflete a fala faz com que essa regra gramatical seja desprezada. Por isso, muitas vezes as pessoas se equivocam.
7) Vírgula opcional:
O exemplo acima (à noite) é um caso opcional. Esse deslocamento de adjunto adverbial, cuja posição original é o final da frase, só pressupõe vírgula obrigatória quando o adjunto adverbial é mais longo. Assim, a gramatica abre exceção para que adjuntos adverbiais curtos como ontem, hoje, amanhã e outros que indicam tempo, lugar, modo, sejam opcionais. Não há opção no caso de adjuntos adverbiais mais longos e no caso em que haja uma inversão sintática ou que seja em um sujeito posposto ao verbo, por exemplo.
8) Erro crassos:
A conjunção ‘por isso é um exemplo. Em uma frase como ‘a professora observou problemas de vírgula nas redações dos alunos, por isso ela procedeu a um exercício sobre tal tópico gramatical’. A gramática prevê essa vírgula antes da conjunção. Mas a conjunção ‘pois’ também poderia ser usada. Contudo, ela precisa vir em outra posição, porque ela não é explicativa. Ela terá um valor semântico equivalente ao ‘por isso’. Então, a mesma frase ‘a professora observou problemas de vírgula nas redações dos alunos, ela procedeu, pois, há exercício de revisão’. A relação é conclusiva. É um exemplo de vírgula obrigatória de um tópico gramatical do uso das conjunções com a vírgula sendo obrigatória, como elemento importantíssimo.
9) Linguísticos X adaptações temporais da comunicação:
Nenhum fenômeno linguístico está fora dessa mudança natural das línguas. Não temos muito controle sobre isso. Podemos gostar ou não, mas não há controle. Tudo depende da questão da comunicação. É muito natural que haja a mudança linguística. Ela não é repentina, demora a acontecer. O uso da vírgula faz parte das regras gramaticais de uma língua. Para que determinados usos de vírgula caiam, seriam necessárias mudanças de regras, processo que não é simples. Veja o exemplo que dei do vocativo. Praticamente, não vejo mais essa vírgula aparecer. A não ser que seja um professor de português escrevendo ou alguém que se preocupe muito com a língua por algum motivo. De maneira geral, as pessoas têm ignorado essa regra, inclusive, pessoas que até que escrevem relativamente bem. Será que daqui a algum tempo essa vírgula ainda existirá? O que vai acontecer? Não tenho como prever isso, mas não duvidaria, porque é um fenômeno que vem sendo compartilhado socialmente.
10) Dicas para concurso, vestibular, Enem, entre outros:
A vírgula não é um tópico gramatical cobrado e não tem sido cobrado no Enem. Não é o perfil da prova. Ela é cobrada por meio da leitura. E ela é muito importante na redação, que tem um peso enorme no exame. A vírgula pode acarretar perda de ponto na competência 1, que julga a modalidade escrita da língua. Assim, se o candidato separar o sujeito de verbo por vírgula, ele estará cometendo um desvio gramatical e ferindo a competência 1.
Em períodos muito longos, a pontuação é tratada de maneira mais ampla, não só do uso da vírgula. Nesses períodos enormes – com linhas e linhas, sem um ponto final ou algum ponto que identifique o fim do período –, a ausência de uma pontuação que identifique o fim do período, como exclamação, reticência, interrogação, é um problema e o estudante será punido na competência 4, que julga a coesão – a amarração linguística das ideias, das frases, entre os parágrafos. E esse tipo de problema na pontuação é muito grave e muito recorrente. E é mais amplo do que apenas o uso da vírgula.
Na verdade, é o uso excessivo e indiscriminado da vírgula, uso sem muito raciocínio, sem imaginar que ali se encerra uma frase, uma ideia. Simplesmente, a pessoa põe vírgula quando acha que acabou o assunto. Simplesmente, a pessoa escreve o que está pensando e pondo vírgulas para separar ideias aleatoriamente.
Dessa forma, já são duas competências, ou seja, 40% da nota em que saber usar a vírgula faz muita diferença. Sem contar que um texto mal pontuado, com problema graves de pontuação, é um texto que vai pecar em coerência, competência 3. A competência 2 julga a compreensão do tema. Então, como examinadora, se eu tenho dificuldades de entender, de ler o texto, as outras competências que não tratam diretamente da vírgula serão penalizadas, porque o texto não está bem pontuado, o que só corrobora a importância da vírgula na produção textual, na elaboração de uma boa redação. Portanto, a dica para o Enem é atenção e preocupação à construção dos períodos, de períodos coerentes do ponto de vista gramatical e do uso da vírgula, e que não haja problemas nem na competência 1, da modalidade escrita, nem na competência 4, da coesão e que mais diretamente dialoga com o uso da vírgula, e nas outras competências que estão relacionadas à compreensão do texto.
11) Exemplos:
Orações independentes:
- a) “O dia avança, a maré sobe…”
- b) Deslocamento de adjunto adverbial:
- c) “Antes do meio-dia, todo o grupo já havia retornado.”
- d) “Todo o grupo, antes do meio-dia, já havia retornado.”
- e) O mesmo para orações adverbiais deslocadas (antepostas ou intercaladas):
- f) “Mesmo que a chuva parasse, o passeio de barco à ilha já não poderia ser realizado àquela hora do dia.”
- g) “O passeio de barco à ilha, mesmo que a chuva parasse, já não poderia ser realizado àquela hora do dia.”
- h) Isolamento do aposto e do predicativo:
- i) “Aquele restaurante japonês, o mais procurado da cidade, reservava uma grata surpresa ao grupo.”
- j) Lotada, a embarcação não obteve autorização para zarpar.”
Informações Colégio Mopi: http://www.mopi.com.br/