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Jornalismo plural

A realidade é plural. O ser humano também. Para tratar de ambos o jornalismo precisa contemplar os diversos aspectos que integram a vida em sociedade. Sociedade que está cada vez mais complexa principalmente quando analisamos os impactos da presença humana sobre a natureza.
 
 
Vivemos a contradição de estarmos destruindo o planeta que nos sustenta. Reportar esse processo de destruição e as tentativas de preservação e recuperação é o desafio que o jornalismo do século XXI tem pela frente. O próprio ser humano ainda não sabe como lidar com isso, mas sabe que não pode mais jogar para debaixo do tapete o imenso problema que criamos com nosso modo de vida e de consumo. Sustentabilidade é a palavra que deve permear todas as pautas, todas as ações daqui para frente se quisermos sobreviver enquanto espécie entre todas as espécies de vida.
 
 
Quanto mais complexa se torna nossa realidade mais queremos simplificá-la. Daí selecionamos aspectos com os quais conseguimos lidar – geralmente dois opostos e ignoramos os demais. No jornalismo, enquanto atividade humana, não é diferente. Na busca da simplicidade frequentemente caímos na armadilha de trabalharmos com alternativas que se excluem mutuamente: direita ou esquerda, governo ou oposição, estatal ou privado, nacionalismo ou entreguismo, e, no caso do modelo de exploração do petróleo armazenado na camada pré-sal: partilha ou concessão? Mas e a sustentabilidade?
 
 
Quando uma discussão cai nessa polarização, reduzindo-se a somente duas alternativas, criam-se lados opostos cujo antagonismo passa a prevalecer sobre o bom senso. A disputa se encerra em si mesma. Vencer o opositor e até mesmo, eventualmente, eliminá-lo, passa a ser o objetivo e não mais a melhor solução para o problema.
 
 
Frequentemente assistimos ao jornalismo explorando e se alimentando desse tipo de polêmica protagonizada por políticos e autoridades que se embrenham em tais disputas a caça de votos. Quando isso acontece o interesse público é quem perde pois torna-se um objetivo secundário na guerra de veleidades por prestígio pessoal e poder.
 
 
No mundo, assistimos a inúmeros conflitos advindos da polarização de posições e sofremos muito com eles. Em seu nome criaram-se fronteiras, construíram-se e constroem-se muros para demarcar diferenças políticas ou econômicas, dividindo povos e nações e, muitas vezes, colocando uns contra outros em guerras que mancham de sangue a história da humanidade.
 
 
O jornalismo em tais situações pode jogar um papel decisivo realimentando as desavenças, semeando o ódio entre os opositores ou esclarecendo e informando sobre os reais objetivos das contendas e os interesses pessoais, politico-partidários ou econômicos que estão em jogo. Mas para cumprir com seu dever de informar é necessária a isenção, o apartidarismo e a imparcialidade de não se deixar capturar pelos interesses em questão. É ai que entra o valor da pluralidade da informação, mostrando que sempre existem muito mais opções e que elas nem sempre são consideradas pelos opositores que protagonizam as disputas – o jornalismo plural é aquele que está acima da disputa e que não tenta convencer o leitor de que essa ou aquela solução seja a melhor, mas que existem múltiplas soluções, cada uma com suas vantagens e desvantagens.
 
 
Uma das premissas para não se cair na armadilha dos “dois lados” da questão é estabelecer critérios para seleção das fontes que serão ouvidas nas matérias. Dentre eles, é importante saber se a fonte está ou não alinhada com determinada posição e deixar claro para o leitor tal possível alinhamento, bem como as razões históricas que o determinaram. Mas além disso é necessário buscar fontes que inovam no olhar e nas propostas de solução, que fogem do óbvio, recriam, reinventam as possíveis interpretações, quebram paradigmas e desconstroem preconceitos – discutem a sustentabilidade da ação humana.
 
 
Comentando a escolha da fonte da Agência Brasil na matéria Ex-ministro da Fazenda diz que concessão é o melhor modelo para exploração do pré-sal, o leitor Antonio de Pádua Pereira escreveu para esta ouvidoria. Sob o título: “Dar voz a quem não deveria” ele ponderou: “Não entendo por que dar voz a esse tal de ex-ministro. Quem é ele alem de capacho e entreguista? Ora o debate no Brasil precisa ser feito com gente comprometida com o Brasil, com nosso povo. Estamos fartos e com nojo desses entreguistas, capachos e colonialistas que travam o nosso desenvolvimento.”
 
 
A Agência Brasil respondeu ao leitor: “"Agradecemos o leitor pelo comentário. A Agência Brasil busca ouvir o maior número de fontes, com base nos princípios de isenção, apartidarismo e equilíbrio. Ao mesmo tempo que publicamos a fala de Mailson da Nóbrega, que é consultor de grandes empresas e bancos, ouvimos a indústria sobre a cobrança de IOF nos investimentos estrangeiros em bolsa de valores e títulos públicos. [link para a matéria Taxar capital estrangeiro é inócuo, diz Maílson da Nóbrega]. Quanto ao tema pré-sal, Maílson da Nóbrega participou de uma audiência pública no Senado. A Agência Brasil tem buscado reportar o que se diz sobre pré-sal em quatro comissões simultâneas na Câmara dos Deputados e em comissões do Senado. É um debate público e aberto a ser acompanhado."
 
 
A que o leitor replicou: “Agradeço a resposta da Agência Brasil. Acredito contudo que muita gente com muito conhecimento sobre energia e petróleo está participando dos debates sobre a proposta encaminhada pelo nosso presidente Lula, e pouco tem-se falado dos verdadeiros conhecedores do assunto. Agora eu penso que quem respondeu minha mensagem confunde um pouco o que é lobista com o que é consultor. Não podemos confundir o debate no Estado democrático voltado para os verdadeiros interesses nacionais, com o `debate democrático` voltado para os interesses particulares. A proposito do tal ex-mistro, o grande legado deixado por ele foi o desmanche da infra-estrutura brasileira no fim da era Sarney.”
 
 
No que tange ao debate interno travado no Congresso Nacional sobre o marco regulatório do pré-sal, a Agência Brasil tem conseguido refletir em suas matérias as diversas posições que ali têm se manifestado a convite de deputados e senadores que selecionam, segundo seus próprios critérios, quem deve ou não ser ouvido, conforme seus interesses e os que representam. Mas a agência pública pode ultrapassar esses limites e critérios de escolha de suas fontes procurando ouvir àqueles que colocam o debate em outros termos, mostrando que há opções que vão muito além daquelas sobre as quais os políticos se debruçam nesse momento. Na cobertura sobre o assunto prevalecem as fontes oficiais do governo, do Legislativo e de organizações patronais ligadas a empresas de petróleo .
 
 
Os interesses nacionais podem estar além da mera discussão econômica sobre o melhor modelo de contrato de exploração do petróleo – fonte de energia que gera o devastador efeito estufa. Nesse momento, diversas nações mundo afora estão procurando e pesquisando energias alternativas. Seu desenvolvimento carece do investimento de elevados recursos financeiros, talvez no mesmo montante que o Brasil disporá para exploração do petróleo do pré-sal. A sustentabilidade econômica, social e ambiental de nossa matriz energética, presente e futura, é uma das abordagens do problema que tem sido evitada pelo poderes do Estado e muito pouco discutida pela imprensa. Mas o cidadão precisa ser informado que essa pauta tem sido ignorada e postergada, talvez além do limite que a natureza suporta..
 
 
Voltando às fontes ouvidas pela Agência Brasil e à maneira de abordar a questão energética e seus efeitos, o leitor Wagner de Alcântara Aragão escreveu: “No afã de não ser uma agência chapa-branca, a Agência Brasil às vezes luta contra a notícia. Busquei aqui, na agência pública, me inteirar dos projetos do marco regulatório para o pré-sal e me deparei com mais destaque sobre uma não provável queda do preço da gasolina, num tom de desqualificação de todo um projeto, uma perspectiva de ganhos com as novas reservas, do que com alguma matéria esclarecedora sobre os anúncios em si, sobre o que o governo propõe com esses projetos. A Agência Brasil não deve cair na onda do negativismo do Uol/Folha, G-1/Globo, Estadão… Divulgar, noticiosamente, os atos do poder público não é ser chapa-branca, é prestar um serviço à sociedade.”, referindo-se à matéria Governo não pretende diminuir preço da gasolina por causa do pré-sal, diz Lobão.
 
 
A Agência Brasil não respondeu à demanda do leitor, mas a questão que se coloca é saber por que a ABr pautou o assunto do preço dos combustíveis tentando associá-lo ao anúncio das descobertas das reservas do pré-sal. É claro que o preço que o consumidor paga na bomba é um dos fatores que integram uma discussão sobre a sustentabilidade do modelo energético brasileiro, mas esse é apenas um dos aspectos que precisa ser discutido dentro do contexto do tipo de energia que impulsionará e sustentará o processo de desenvolvimento que o pais adotará nas próximas décadas. Tratado de maneira isolada, o tema atende às expectativas do cidadão apenas na sua dimensão de consumidor e não em sua plenitude de cidadão interessado nas grandes questões nacionais e internacionais.
 
 
Na ultima década do século passado, quando se estabeleceram as regras do marco regulatório em vigor, a imprensa se omitiu de informar ao cidadão sobre o que estava em jogo. Alinhou-se incondicionalmente ao discurso neoliberal reproduzindo-o ao sabor dos ventos. O resultado foi um dos piores modelos de contrato de concessão que um Estado nacional já estabeleceu, segundo a opinião de engenheiros especialistas da Petrobrás. Hoje o assunto está na pauta da maioria dos veículos de comunicação e, de uma forma ou de outra, o cidadão está tendo acesso à informação para se posicionar sobre a questão, mas talvez ainda falte pluralidade nessa informação.
 
 
Referindo-se à matéria Cada brasileiro emite por ano 10 toneladas de gás carbônico, informa Inpe, publicada dia 18 de novembro, o leitor Mauri Alexandrino escreveu “Assim fica difícil. Por favor, me expliquem o que significa isso: cada brasileiro emite 10 toneladas de gás carbônico por ano? Está publicado no site da Agência Brasil e já reproduzido, literalmente, por toda a internet e mídia tradicional. Qual é o sentido desse título?
 
Seria a emissão total do país dividido pelo número de habitantes? Seria uma imensa tolice fazer tal cálculo, que beira a velha piada do `frango pela média`, mas ainda assim, caso seja essa a razão de tal esdrúxulo título, teria de ser explicado ao leitor e demais receptores (e retransmissores da informação). De qualquer modo, fica minha queixa de que a Agência Brasil não deve (não pode) reproduzir os mesmos modos de tratamento da informação da grande imprensa. Isso é ridículo, a agência nacional de notícias agindo como tablóide inglês. Por favor, me excluam dessa conta absurda.”
 
 
A Agência Brasil respondeu ao leitor: “as informações que constam na matéria e o título estão dentro da boa prática do jornalismo. Agência Brasil não poderia ignorar o alerta feito pelo cientista Carlos Nobre em depoimento feito esta semana no Congresso Nacional aos parlamentares. O cientista não apresentou, na ocasião, a metodologia de seu estudo. A Agência Brasil está apurando informação para melhor compreensão do assunto.”
 
 
Associar e integrar a cobertura sobre o destino das nossas reservas de petróleo e o aquecimento global é um dos desafios que se coloca neste momento para a imprensa brasileira, principalmente às vésperas do encontro de Copenhague onde procurará se estabelecer os termos de mais um tratado internacional sobre a redução de emissões de gases que provocam o efeito estufa. Superar as armadilhas da polêmica econômica entre os diversos tipos de contrato de exploração, sem desprezá-la, é o papel de um jornalismo plural que poderá mostrar ao público que há alternativas além daquelas que o Congresso Nacional e o poder executivo estão debatendo.
 
 
Nas 44 matérias publicadas pela Agência Brasil entre 31 de agosto e 17 de novembro, foram ouvidas 53 fontes sendo: 26 a favor do regime de partilha, 6 a favor com ressalvas, 1 com posição não definida e 20 são contra. Os links entre as matérias que permitem ao leitor navegar pelo assunto são mínimos ou inexistentes. Na falta deles fica mais difícil saber que há opiniões que se contradizem pois a maioria das matérias são baseadas em uma única fonte. Esse e outros aspectos da cobertura da imprensa sobre as questões climáticas são analisados em recente estudo publicado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI (*).

Fonte: Agência Brasil