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Pesquisa tenta decifrar o comportamento humano

A oxitocina é um hormônio associado a sentimentos de amor. Tanto está ligado à emoção que sentimos ao conhecer alguém especial como está relacionado com a emoção da mãe ao ver pela primeira vez seu bebê recém-nascido. Da mesma forma, a serotonina é um neurotransmissor associado ao prazer. Todas essas substâncias estão envolvidas em reações bioquímicas, e essas por sua vez, através de uma longa cadeia de reações, estão relacionadas ao comportamento.

Reações que partilhamos com várias outras espécies animais, e que levam à pergunta: até que ponto podemos considerar o comportamento humano resultado da cultura ou fundado em bases biológicas? Para enriquecer a discussão, o biólogo Ricardo Waizbort, da Fiocruz, está criando um programa de computador com imagens e informações, interconectadas por links, para que o usuário chegue a suas próprias conclusões.

No ano Internacional da Biologia, e em que se comemoram os duzentos anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 da publicação da primeira edição de A Origem das Espécies, o projeto procura discutir a história e as implicações filosóficas da teoria da evolução para a vida humana.
– É importante compreender o comportamento e a ação humanas de forma integrativa, que não desconsidere nem os aspectos inatos nem os adquiridos – diz Ricardo.

Apresentado em CD, o programa – desenvolvido com apoio do Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ –tem roteiros definidos, que levam o usuário a cardápios de percursos com diferentes aspectos da evolução do comportamento.

– Estamos identificando 10 temas sobre os quais há farta produção científica, no campo da etologia, da neurobiologia, da sociobiologia e da psicologia, por exemplo. E estamos buscando imagens que possam ser utilizadas – diz Waizbort.

Além de imagens, o pesquisador está selecionando estudos que evidenciem as duas correntes, assim como pensadores cujas pesquisas buscam aproximar os aspectos inatos e os culturais do comportamento humano, fazendo uma ponte entre ciências biológicas e ciências sociais. Ao mesmo tempo, ele também promoverá debates entre os membros da equipe e convidados para discutir toda essa bibliografia e assim enriquecer ainda mais a compreensão do tema.

Quatro percursos conceituais já foram definidos: adolescência, comportamento sexual, medo e altruísmo. No medo, por exemplo, o projeto aproveita estudos conhecidos, como Cook e Minelka (1989) e Tomarken (1989), que mostram como tanto seres humanos quanto macacos são mais facilmente condicionados a demonstrar medo frente à cobras e aranhas do que com relação a objetos neutros, como flores ou pedaços de madeira.

– Esses trabalhos revelam como o medo só pode ser explicado se levarmos em conta tanto o instinto – que é um comportamento inconsciente, imediato e presente na grande maioria dos membros da espécie – quanto o aprendizado pela experiência de vida. O medo é um bom exemplo de que a localização cerebral muitas vezes assume a forma de um sistema – explica Waizbort.

Um exemplo clássico em que o comportamento acabou provocando mudanças físicas é o pavão.
– O comportamento e a escolha das fêmeas acabaram provocando alterações na cauda dos machos. A beleza da cauda, no caso, expressa saúde, característica desejável a ser repassada aos descendentes e por isso desejável na escolha do parceiro. E estamos falando de alterações que aconteceram em milhões de anos com populações da espécie – diz Waizbort.

No caso do altruísmo, o projeto parte igualmente de bases teóricas para mostrar como surge, em termos evolutivos, a cooperação entre os indivíduos de uma mesma espécie, particularmente aqueles geneticamente aparentados, ou seja, pertencentes a uma mesma família ou bando.
– Isso acontece porque o ato de cooperação feito para ajudar um parente é também uma forma de beneficiar a propagação dos genes que eles têm em comum – diz.

Segundo Waizbort, em organismos com cérebro e emoções mais elaborados, sentimentos de gratidão, o senso de justiça, a raiva para punir o trapaceiro, a culpa – que leva à preocupação com a própria reputação –, contribuem para manter essa cooperação estável. Os exemplos na natureza são muitos. Há os morcegos vampiros, que precisam ingerir sangue a cada 72h. Como nem todos os animais de um bando conseguem alimentar-se neste período, alguns dos que conseguiram regurgitam parte do sangue para nutrir os demais. Há sanções para os que não agem altruisticamente.

– O altruísmo é uma das questões mais importantes na biologia do comportamento. Em geral, os animais não têm esse comportamento, a menos que se trate de sacrificar-se por parentes ou pares do mesmo bando – ressalva Waizbort.

Segundo ele conta, Darwin afirmava que se fosse encontrado um animal se sacrificando por outro, isso seria um problema para sua teoria.

– Darwin tentou resolver esse problema com uma teoria de seleção de grupo, teoria essa que sofreu um forte revés em meados da década de 1960 – diz.

Já o ciúme, emoção também fartamente explorada na literatura, é partilhada pelo homem com várias outras espécies, como gosta de enfatizar Waizbort, que além de biólogo, tem formação em literatura.

– Em Dom Casmurro, de Machado de Assis, a questão central é justamente o ciúme e a possibilidade de traição. Do ponto de vista biológico, vários animais machos, ao derrotar um rival, matam também seus filhotes. É uma questão biológica, de fazer prevalecer sua própria descendência. Até mesmo o organismo da fêmea disputada induz um período fértil e ela é praticamente obrigada a aceitar o novo macho.

Mas, se por um lado, animais, como gorilas e leões, reagem com bastante agressividade à aproximação de outros machos a seu harém e da mesma forma dominam suas fêmeas, por outro, essas fêmeas quando podem não deixam de copular com outros machos.

Juntas, a linguagem e o aprendizado mudaram o homem. Mas, é bom não esquecer, que ambas atuam sobre uma base biológica.

– Não se aprende a ter ciúmes, que é uma emoção inata a várias espécies. Mas o homem até certo ponto aprende a controlá-lo. Alguns biólogos consideram que o ciúme é uma adaptação cuja função seria manter o parceiro atual – explica.

E acrescenta:
– Quando se fala em componentes biológicos, temos que levar em conta que estamos falando de componentes que se somam a outros socialmente construídos.

 

Fonte: Faperj