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‘’A TEIA’’: MEMÓRIA VOLÚVEL

  • Por Marco de Cardoso          

  

Imagine ter dificuldades até para lembrar do seu nome? Imagine agora você ser um policial que investiga um caso antigo de assassinato que pode condenar um inocente à morte e não se lembrar de nada do passado?

Os mistérios das escolhas e das peças que a mente pode pregar, são o pano de fundo  de ‘’A Teia’’, um suspense policial estrelado pelo (sempre competente) ator Russell Crowe.

No filme Crowe é Roy, um ex-detetive de polícia numa cidade americana que sofre do mal de Alzheimer e se submete a um tratamento inovador para tentar tratar a doença. Mas enquanto lida com os efeitos desta terrível enfermidade e também da medicação, ele é chamado por um condenado pela morte de um renomado professor universitário, crime que o próprio Roy investigou anos atrás. 

Numa nova versão do caso, o preso agora nega que tenha matado o professor. O ex-policial (expulso da polícia por dirigir embriagado e provocar um acidente) precisa retomar o caso por conta própria, enfrentando dois desafios: o pouco tempo até a data prevista para a execução e o Alzheimer.

‘’A Teia’’ explora muito bem essa marcha angustiante de um policial no melhor estilo ‘’Sherlock Holmes’’, buscando rever pistas antigas e colher novas evidências, em meio ao caos mental gerado pela doença.

As cenas de Roy em sua casa, cercado de fitas adesivas coladas em todos os cantos do apartamento, com lembretes de tarefas diárias básicas a serem realizadas, que vão desde o que comer, quando tomar remédios ou até um singelo ‘’seu nome é Roy’’, é um elemento visual poderoso que nos lembra constantemente das lutas internas do personagem.

A complexidade de Roy aumenta à medida que ele se aprofunda na investigação. O detetive logo descobre que as águas deste caso são muito mais turvas do que pareciam inicialmente. As contradições começam a aparecer, especialmente quando ele reencontra Jimmy (Tommy Flanagan,muito bem) um ex-parceiro da polícia, que insiste que o caso já está resolvido e que o verdadeiro culpado se encontra atrás das grades.

No entanto, Roy, movido por uma mistura de senso de justiça e a necessidade de encontrar alguma clareza em sua mente confusa, não desiste. Nessa trajetória ele ‘’esbarra’’ com Laura Barnes (Karen Gillan,ótima), uma discípula e possível amante do Dr. Joseph Wieder(Marton Csokas) o professor assassinado. Laura parece ocultar mais do que revela e a interação entre eles adiciona camadas de suspense e dúvida, enriquecendo a trama com a ambiguidade de seus motivos.

À medida que a investigação avança, Roy se enreda cada vez mais numa teia de mentiras e segredos, descobrindo que o professor estava envolvido num projeto controverso, apoiado por serviços de inteligência do governo, que usava drogas para tentar ‘’apagar’’ da mente as memórias ruins, o que pode ter levado ao seu assassinato.

Nesse ponto (no melhor estilo dos contos de Agatha Christie) todos parecem suspeitos: Laura, Jimmy, um ex-empregado do professor e até um ex-namorado ciumento de Laura. 

Os diálogos entre os personagens são afiados, com tiradas inteligentes e sarcásticas como quando Jimmy diz a Roy que ter Alzheimer pode ser bom por ‘’apagar as más lembranças’’ e ele responde: ‘’eu esqueço também as coisas boas’’. Ou quando Laura reclama com a diretora da universidade onde o professor trabalhava, que toda a pesquisa da última tese dele antes de morrer foi ‘’feita por ela’’(sem o devido crédito…) e  a diretora responde que’ ’isso é comum no mundo acadêmico’’(pano rápido!!!).

O filme é uma adaptação do best-seller “O Livro dos Espelhos”, escrito por E.O. Chirovici e traz o roteirista Adam Cooper estreando como diretor. Cooper, que assinou roteiros de longas como ‘’Assassin’s Creed’’ e ‘’Êxodus: Deuses e Reis’’, também criou o roteiro de ‘’A Teia’’ em parceria com Bill Collage.

Além de Crowe no papel principal, outros destaques são Karen Gillan, mais conhecida por interpretar Nebula na franquia ‘’Guardiões da Galáxia’’, Marton Csokas que fez o assassino mafioso russo em ‘’O Protetor 2’’ e Tommy Flanagan, que retoma a parceria com Russel Crowe mais de 20 anos depois de terem atuado juntos em ‘’Gladiador’’, o ‘’papão de Oscars’’ dirigido por Ridley Scott.

O clímax do filme é uma trocação de tiros de dar inveja a Tarantino e que, inicialmente, parece resolver o caso. No entanto, uma reviravolta absolutamente inesperada irá abrir a porta para um final totalmente surpreendente, não só para a plateia mas também para o próprio Roy, provando para ele uma das máximas contidas no script do filme: ‘’a memória é volúvel’’.

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Marco de Cardoso é Diretor Cultural da AIB – Associação da Imprensa do Brasil